GRUPO DO LINFONODO SENTINELA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO


Em 2000, um grupo de mastologistas compraram em sociedade um aparelho Gama Probe 2000 (figura 1) e, a seguir, criaram o que chamaram de Grupo do Linfonodo Sentinela do Rio de Janeiro. A necessidade da realização de exames por médicos de várias especialidades levou à formação de um grupo multidisciplinar que contava com a participação de mastologistas, médicos especializados em Medicina Nuclear, imagenologistas e anatomopatologistas. A princípio esse time era formado pelos Médicos: Marconi Luna, Carlos Ricardo Chagas, José Sigiliano Gomes Filho, Maria Helena Rabay Vermot, Mônica Travassos, Luiz Antônio da Silveira, Lea Mirian Barbosa e Roberto Arcuri e

CelesAno de Oliveira.

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Ricardo Chagas
Patrono AbMasto

 A história da aquisição do probe começou no Centro de Mastologia do Rio de Janeiro, na rua Getúlio das Neves, no Jardim Botânico. Marconi Luna convocou a turma acima, já acostumada a se reunir no local, à noite, pelo menos duas vezes por mês, para discussão de casos, novidades sobre o câncer de mama e algumas amenidades.

Marconi Luna recebera uma proposta para compra do aparelho Gama Probe 2000, dos representantes da Jonshon & Jonshon, praticamente irrecusável. Na época o valor do dólar estava baixo, atraente, próximo de um real. Mais ainda com a possibilidade de uma compra parcelada em 36 meses, sem juros e em reais. Em uma única reunião se decidiu pela compra do aparelho que permitia a biópsia do linfonodo sentinela (BLS), radioguiada, e a localização e marcação de lesões impalpáveis. Formaram o grupo comprador: Marconi

 Luna, Ricardo Chagas, Maria Helena Vermot, Mônica Travassos, José Sigiliano e Luiz Antônio da Silveira. O aparelho ficava guardado no Centro de Mastologia e cada um dos componentes do grupo o pegava pela manhã e

devolvia à noite em seus dias de cirurgias. Eram praticamente cinco, pois Sigiliano e Luiz Antônio operavam sempre juntos.

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Marconi Luna
Patrono AbMasto

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Figura 1: Gama Probe

 

A literatura Internacional exigia a realização de pelo menos 30 exames por cada cirurgião para que fossem considerados habilitados a realizarem as biópsias de linfonodo sentinela no tratamento do câncer de mama (figura 2). Isso foi feito e registrados os dados das pacientes, Como: quantos linfonodos eram encontrados, os graus de dificuldade, se havia sido usado a marcação dupla com corante e radiofármaco, se estavam corados, se apresentavam metástases, se realizado esvaziamento axilar, se o linfonodo sentinela (LA) não fora encontrado, se estava marcado por um ou dois marcadores. 

A primeira biópsia de linfonodo sentinela do grupo foi realizado no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Contou com a presença de todo o grupo do linfonodo sentinela do Rio de Janeiro e com os especialistas desse hospital.

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Figura 2 : localização do linfonodo sentinela 

Foi utilizada marcação dupla com o corante azul patente V e  radiofármaco – Tecnécio 99 m – fitato -, injetados por via pariareolar, subdérmica. A injeção do radiofármaco foi realizada pela Dra. Lea Mirian Barbosa da Fonseca – Chefe do Serviço de Medicina Nuclear da UFRJ – e a cirurgia pelos colegas Augusto Cesar Peixoto Rocha e Afranio Coelho de Oliveira. Registre-se que no dia anterior, Marconi Luna realizou a retirada de uma lesão impalpável radioguiada, pelo método conhecido como ROLL, no Hospital Santa Barbara, uma instituição de caráter particular localizada, então, no bairro de Botafogo.

No período de maio de 2001 a abril de 2003, foram estudados 57 casos de biópsias do LS, nos Serviços de Ginecologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (HUCFF-UFRJ) e do Hospital Samaritano, em pacientes com câncer de mama, sendo os 25 casos iniciais (grupo A), com sítios de injeção periareolar subdérmica em quatro pontos, independentes do sitio tumoral ou presença de cicatriz prévia e linfadenectomia axilar (DLNA) completa quando a biópsia do linfonodo sentinela (BLS) fosse positiva, constituíram o grupo B. A técnica linfocintilografia nos grupos em estudo constituiu na injeção de 0,6 a 1,0 mCi (22,2 à 37MBq) de 99mTc – fitato subdérmico, peritumoral (grupo A) e periareolar subdérmico em quatro pontos (grupo B) (figura 3). 

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Figura 3: Linfocintilografia de mama

Contam que o nosso inesquecível João Luiz Campos Soares, cirurgião de mama de habilidade incomparável, foi ver uma das primeiras cirurgias de Sigiliano e Luiz Antônio. Vai que, justamente naquela cirurgia houve uma dificuldade intraoperatória para a localização do linfonodo sentinela, levando a um maior tempo para a sua localização. Nosso querido João Luiz, um dos eternos Presidentes da Sociedade Brasileira de Mastologia, quis intervir, brincando, e dizia que ele fazia um esvaziamento axilar em muito menos tempo, não entendo a necessidade de se ter um aparelho caro. Mas a prática dos cirurgiões e médicos nucleares foram aumentando e o procedimento ficou cada vez mais prático. 

A princípio as indicações para a realizações de Biópsia do Linfonodo Sentinela eram mais limitadas, não podiam ser indicadas, por exemplo, em tumores multicêntricos, com mais de cinco centimetros, em casos com cirurgias axilares prévias, em casos com quimioterapia neoadjuvante e linfonodos clinicamente suspeito. 

Na Universidade Federal do Rio de Janeiro, havia sido criado uma linha de pesquisa para o câncer de mama pelo Professor Hilton Augusto Koch (figura 4) e isso permitiu a vários mastologistas, médicos de outras especialidades e, também, profissionais de outras profissões, como psicólogos e jornalistas, a realizarem pesquisas e cursos de mestrados e doutorados. As portas se abriram aos Mastologistas de todo país e isso permitiu muitos estudos baseados nas cirurgias radioguiadas como biópsia do linfonodo sentinela e localização de lesões impalpáveis. Certamente, vivíamos uma época de ouro no Rio de Janeiro e, sem dúvida, podemos dizer que as teses baseadas em pesquisas ali realizadas, com pacientes daquela instituição e de outros serviços – o mesmo acontecendo, também, com exames, procedimentos e cirurgias especializados, foram de muita importância para a consagração do método em nossa cidade, e em todo o Brasil.

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Figura 4: Hilton Koch, Ricardo Chagas, Marconi Luna

Um estudo prospectivo, realizado em pacientes dos mastologistas Carlos Ricardo Chagas, Marconi Luna, Maria Helena e José Sigiliano Filho, com injeção periareolar dos marcadores serviu de tese de Doutorado para a aprovação em curso de Doutorado em Medicina para

Carlos Ricardo Chagas na UFRJ. (figura 5)

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Figura 5: Ricardo Chagas e Juan Cabanas

Pouco tempo depois Juan Cabanas, um dos introdutores da biópsia do linfonodo sentinela, em particular em câncer de pênis (1977), esteve no Rio de Janeiro e, por indicação de Alfredo Barros, passou uma manhã no Hospital Clementino Fraga Filho (figura 6). Foram momentos inesquecíveis, na presença de médicos, professores e estudantes contou detalhes das pesquisas que levaram à consagração do método. Na época trabalhava no Memorial Sloan Keoering Cancer Center, em Nova Iorque. Muito alegre, paraguaio, mas torcedor fanático do Clube de Regatas Flamengo, do Rio de Janeiro, possuidor de memória brilhante, sabia a escalação dos Ames de futebol do Flamengo desde o início dos anos 1950. 

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Figura 6: Flávia Lopes, Sérgio Souza, Marcus Polônia, Maria Helena Vermot, Afranio Coelho, Léa Mirian,  Bianca Gupilen, Juan Cabanas, José Sigiliano, Paulo Canary e Mônica Ribeiro

 

Por iniciativa do Afranio Coelho, foi criado o clube do Linfonodo Sentinela, na verdade um grupo de estudos, que se reunia mensalmente no Hospital Samaritano, com médicos de vários serviços que lotavam o auditório, e foi valioso na preparação, aperfeiçoamento e atualização de interessados e apaixonados especialistas em câncer de mama de forma multidisciplinar.

Muitos hospitais possuem aparelho gama probe 2000 para a localização de substâncias radioativas – o ¨gama probe¨ – e o grupo do Linfonodo Sentinela não utiliza mais o seu próprio aparelho, mas o grupo continua unido e acompanha a história e a importância do estadiamento axilar.

Naqueles hospitais que não possuem o aparelho, as Clínicas de Medicina Nuclear o enviam na ocasião das cirurgias. 

Atualmente alguns hospitais do Rio de Janeiro possuem o aparelho para visualização pela radiologia da peça cirúrgica (figura 7) dentro do centro cirúrgico.

Temos esse aparelho (figura 8) no Hospital Quinta D’Or, facilitando esse procedimento e agilizando o ato cirúrgico.

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Figura 7: Radiografia da peça  cirúrgica com clipe

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Figura 8: Aparelho (Trident - Hologic)

Realização da Radiografia da peça cirúrgica

O Grupo do Linfonodo Sentinela do Rio de Janeiro, realizou um trabalho retrospectivo em pacientes dos  Mastologistas, Carlos Ricardo Chagas e Marconi Luna.

Nesse estudo, Apo coorte em pacientes das clínicas particulares de desses membros do Grupo, com carcinoma invasivo de mama e que permitiam a realização de BLS, segundo as diretrizes da ASCO (American Society of Clinical Oncology), em 2014, e da Sociedade Brasileira de Mastologia no período entre 2014-2018, ou seja em pacientes com tumores até 2 cm de diâmetro e axilas clinicamente negativas. Devemos ressaltar que nesta coorte não foram incluídos casos em que foi realizado quimioterapia neoadjuvante.    

A identificação do linfonodo sentinela foi realizada pela linfocintilografia e no ato cirúrgico com emprego do corante vital (azul patente 2 ml) e do aparelho gama probe (método combinado).

Em relação à indicação, ou não, de DLNA, esse procedimento foi adotado: - nos casos de linfonodo sentinela com comprometimento neoplásico,  nos níveis I e II até dezembro de 2017. A partir de 2018, a DLNA deixou de ser feita em todos os casos, quando passou a ser adotado o protocolo do ACOZOG Z0011. 

De acordo com às cirurgias realizadas na mama para o tratamento do carcinoma: - foram efetuadas 163 cirurgias conservadoras, 68 mastectomias, sendo que foram executadas reconstruções imediatas em 26 casos.

 Na população estudada, foram realizadas BLS em 205 e DLNA em 50 casos.

 Em relação a resultados falso-negaAvos do LS: - não foi verificado nenhum caso de linfonodo sentinela falso negativo. Deve ser ressaltado que a detecção de LS falso-negativo fica na dependência de ser verificado recidiva axilar após o a BLS ou, então, com o achado de linfonodo positivo quando se realiza a DLNA. Certamente, esses achados são dificeis de serem verificados nos dias atuais, uma vez que, na quase totalidade das vezes não se realiza DNLA quando o LS é negativo, bem como a ocorrência de metástase axilar necessita de um período de tempo de observação após a cirurgia. - o LS foi encontrado em 203 dos 205 casos em que a BLS foi realizada, ou seja, foi encontrado em 99,02% dos casos.

Reflexões

A alta incidência de identificação do Linfonodo Sentinela está relacionada com a experiência do mastologista e da equipe multidisciplinar envolvida. 

A localização dupla do LS, sempre com linfocintilografia e injeção do azul patente (2ml), parece melhor contribuir para sua identificação.

A dissecção do LS iniciou uma nova era no tratamento do câncer de mama e que, de acordo com os achados do Grupo do Linfonodo Sentinela do Rio de Janeiro e da maioria dos Centros Especializados, caminhou para a não indicação de DLNA em todos os casos com linfonodo axilar positivo.

A prevalência do número de cirurgias conservadoras realizadas mostra, pelo menos nesse grupo de pacientes, a possibilidade de ser diagnosticado um maior número de casos de câncer de mama em estadiamentos iniciais.

Entramos numa nova era promissora na cirurgia do câncer de mama, que ao lado da cirurgia oncoplástica está sendo útil para o tratamento das pacientes. 

Literatura Suplementar

  1. – Cabanas RN. AN approach for the treatment of penile carcinoma Cancer 1977; 39: 456-66.
  2. – Veronesi V, Galimberti V, Zurrida Setal – Prognostic Significance of number and level of axillary node metastases in breast cancer The Breast 1993;2:224-228
  3. – Guiliano AE, Kirgan DM, Guenther JM, Morton DL Limphatic napping and sentinel lymphadenectomy for breast cancer ANN Surg. 1994;220:391-8
  4. – Veronesi V, Paganelli G, Galimberti; et al – Sentinel – Node biopsy to avoid axillary dissection in breast cancer with clinically negative lymph-nodes Lancet 1997;349: 1864-1867
  5. – Guiliano AE, Balimam KV, McCall, Beitsch PD et al Effect of axillary dissection vs no axillary dissection on 10-years overall survical among women with invasive breast cancer and sentinel node metastases. The ACOZOG 20011/ Alliance Randomized clinical trial 1 JAMA, 2017, 318 (1):918-26
  6. – Chagas CR Linfonodo sentinela ou fatores prognósticos tumorais? Mastologia News. Sociedade Brasileira de Mastologia 1999; 1(2):26-32

– Oliveira AC, Rocha ACP, Gutifilen B, Pessoa MCP, Fonseca LMB. Identificação do linfonodo sentinela no câncer de mama com injeção subdérmica periareolar em quatro pontos do radiofarmaco. Radiol Bras 37(4) Ago 2004.